Por motivos de força maior, parou de tocar piano oito anos, de 2008 a 2016, vivendo como “um eremita, sem telemóvel, telefone, televisão…”.
Natural de Portalegre, em 2014 mudou-se para as Caldas da Rainha onde vive com a sua mãe na Foz do Arelho.
Em 2016, “quebrou o gelo” e a “neve da avalanche”, e começou a tocar no Museu José Malhoa.
Aos 25 anos o prodígio do piano quer voltar a ser um pianista de sucesso.
Durante o mês de julho aos sábados à tarde, o músico deu recitais de Beethoven no Museu José Malhoa.
Os concertos de piano com Tiago, regressam ao museu no dia 3 de setembro com Beethoven. O músico vai continuar com os recitais daquele compositor todos os domingos, sempre às 15h00. O preço da entrada é o do bilhete normal de entrada no museu.
Em entrevista ao JORNAL DAS CALDAS, o jovem revela que a sua ambição num futuro passa por “dar o meu melhor, sempre”.
Aos 14 anos, Tiago Mileu, exibia um alto nível nos maiores palcos nacionais para além dos sucessivos êxitos no estrangeiro. As televisões nacionais cobriram e deram destaque a alguns concertos.
Não cresceu numa casa de músicos, mas desde sempre aprendeu ouvir música clássica. O gira-discos da sala tocava sonatas de Beethoven que a mãe comprava com alguma frequência. Foi por influência da mãe que ingressou no Conservatório Regional de Portalegre aos 8 anos. “A minha mãe sempre acreditou nos benefícios da música – dizia ela que ajudaria a desenvolver a memória”, recordou o jovem, acrescentando que a “musicoterapia está a conquistar um lugar firme e há cada vez mais pessoas à procura da música para modificar o estado de espírito, trazer motivação, procurar compreensão, companhia, beleza, alívio, enfim…… A aproximação à música, é intuitiva em nós, não é história recente”. Tiago Mileu nasceu em Portalegre a 29 de março de 1992. “É o 88º dia do ano, e o piano tem oitenta e oito teclas. No dia 1 de outubro de 2000, as minhas mãos tocaram pela primeira vez num piano, tinha eu oito anos”, apontou, o jovem.
Viveu no Fundão dez anos, de 2004 a 2014. Foi aluno de piano no Conservatório Regional de Portalegre (agora Escola de Artes do Norte Alentejano) de 1 de outubro de 2000 até ao final do ano letivo de 2003/2004. Foi lá onde estudou mais piano porque, diz, foi lá que “encontrei um elo com a minha sensibilidade, com o seu ser”.
Lembrou que o Conservatório tinha como política pôr as crianças, desde cedo, a apresentarem-se em público. A primeira audição em que participou, juntamente com os seus colegas, foi em 2000, pelo Natal. Em 2003, já se apresentava em público em diversos locais da cidade. “Convidavam-me frequentemente para ilustrar com “momentos musicais” os mais diversos acontecimentos. Algo como um recital, a solo, só em 2003 com onze anos”, contou.
Tiago Mileu tem “ouvido absoluto”
Tiago Mileu tem “ouvido absoluto” – fenômeno auditivo, geralmente considerado raro, que se caracteriza pela habilidade de uma pessoa identificar ou recriar uma dada nota musical.
Segundo o músico a denominação inglesa é “perfect pitch” para ser um pouco mais “exato”. “O “ouvido absoluto” nada tem a ver com o ouvido. Beethoven tinha-o, e viveu completamente surdo demasiados anos da sua vida. Digamos que é uma estratégia de recognição de frequências sonoras, involuntária. A sua denominação variará com a nomenclatura e características do sistema musical aprendido”, explicou, o jovem. No “ouvido absoluto”, disse o jovem, o “reconhecimento é imediato e exato – algo como olharmos para uma planta e sabermos imediatamente que àquela cor chamamos verde”.
No “ouvido relativo” a identificação é, segundo Tiago, feita através do “raciocínio, por comparação a um som que serve como referência e que o ouvinte sabe, ou arranja maneira de saber, qual é”. Também ele “aciona” o ouvido relativo quando quer fazer uma “transposição, ou seja, fazer uma conversão para mais agudo, ou grave, daquilo que está a ouvir. Por fim, diz que há muitas teorias e ideias sobre o “ouvido absoluto”.
O músico encontra alguma concordância com os textos de um neurocientista americano que acredita que o “ouvido absoluto” pode “desenvolver-se e aprender-se”. Não aceita o “facilitismo dos que o “empurram para algo genético intransmissível. Uma matéria muito interessante para reflexão e estudo, sem dúvida”, apontou.
Com apenas 14 anos de idade, o pianista Tiago Mileu arrecadou já diversos prémios, entre eles, o 1º prémio do Concurso Internacional de Piano de San Sebastián (2005), o 2º prémio do Concurso Alexandre Scriabin (Paris, 2005) e o 1º prémio do Concurso de Piano “Compositores de Espanha”(Vigo, 2005). Foi também premiado na Polónia.
No seu currículo conta também com diversos concertos a solo no Centro Cultural de Belém e no Teatro São Luís.
O prémio que lhe marcou mais foi o que recebeu em Vigo (Galiza – Espanha) em 2005. “Tinha treze anos. Concorri numa categoria até 18. Do júri fazia parte o compositor, Antón García abril. As partituras das suas obras chegaram tarde, tive apenas treze dias para as preparar, ganhei o primeiro prémio e o prémio de melhor intérprete das suas obras”, contou.
Para Tiago Mileu, tocar para o “compositor, enfrentar e ousar exprimir o que eu sentia com a sua obra, para depois ser reconhecido daquela forma, ouvir e ler o que o compositor disse a meu respeito foi extremamente forte, e marcante, para mim”.
O jovem lembrou as palavras de Antón García abril em relação à sua interpretação. “Ouvir-me tinha sido descobrir um grande artista; que sabia aliar a técnica às intuições musicais que a minha sensibilidade me proporcionava; que ele tinha ficado surpreendido com a visão madura que eu tive ao interpretar as suas obras”. Foi, para Tiago, algo que o ajudou a acreditar em “si mesmo”.
A sua opinião em relação aos “fenómenos” dos “meninos prodígios” nem sempre é a “mais calorosa”. “Procuro ouvir quem ama a música. Procuro envolvimento, entrega e paixão”, sublinhou, adiantando que se sente fascinado quando encontra mais alguém que “nutre o amor pela música”.
“Agora, ouço frequentemente associar o “prodígio” a algo diferente: crianças que são treinadas desde muito cedo, objetos de disciplina férrea, e que, por conseguinte, tornam-se hábeis, capazes de conciliar uma performance técnica de adulto com a sua idade infantil”. “O que a criança possa querer expressar, sentir, gostar, amar, não existe. Existe uma estratégia, com objetivos em vista, de um ou vários adultos que acompanham a criança”, adiantou.
O jovem músico inspira-se numa multidão de figuras “colossais da História da Humanidade”. “Sinto-me inspirado pelo que está à minha volta. Qualquer pessoa pode ensinar-me algo valioso”, apontou. “A inspiração que advém de um acontecimento, uma reflexão, contemplação, é tanta quanta aquela que procuro, de livre vontade, encontrar em algo que não conheço e quero começar a desvendar – seja o que for”, adiantou, o pianista.
Adora tocar Chopin, porque a sua música “sensibiliza o toque, incentiva quem a estuda a encontrar uma infinidade de nuances e dinâmicas”.
Quer centrar-se, para já, em cinco compositores: Mozart, Beethoven, Schubert, Chopin e Schumann. “Mozart nasceu em 1756, Schumann faleceu em 1856. Irei dedicar-me a este século nos tempos vindouros”.
Aprendeu a dura lição da vida
Por motivos de força maior, parou de tocar piano oito anos de 2008 a 2016. “A minha mãe adoeceu, foi internada no Hospital, fiquei aos 16 anos sozinho em casa. Foi o grito que provocou uma avalanche. Outros acontecimentos, como termos que mudar de casa repentinamente, para um bairro sénior em que não podia fazer-se barulho… Frustrações amorosas, sentimentos de culpa, tensões a nível estético com os meus professores, receios, stress acumulado de uma vida de frenesim”, contou.
Tiago disse que desistiu de tudo, de todos e de “mim mesmo”. “Fugi, escondi-me. Precisava de tempo para pensar, refletir. Vivi como um eremita: sem telemóvel, telefone, televisão”. Fazendo uma espécie de quadro-clínico-síntese, teve uma “depressão que não foi acompanhada, por isso perdurou até que eu encontrasse, passo a passo, o apoio para a vencer”.
Em 2016, finalmente respirou: “à superfície, quebrei o gelo e a neve da avalanche, e comecei a tocar novamente”.
Foi para Tiago tudo “muito importante” e, ousa dizer, não mudaria nada na sua vida. “Dei-me tempo para me encontrar – o meu sentir, não são muitos os que têm esse privilégio”.
Reside na Foz do Arelho desde 2014
Tiago mudou-se para as Caldas da Rainha e vive com a sua mãe na Foz do Arelho desde 2014. Conhecia (virtualmente) a Foz do Arelho, porque a saudosa “Viscondessa de Morais expressou interesse em ouvir-me e apoiar-me nos meus estudos universitários, em 2006”. Por diversos fatores, nunca chegaram a encontrar-se, mas ficou lá o “bichinho” da Foz do Arelho. “Depois de um tratamento que durou anos e que lhe deixou inúmeras mazelas, viver ao pé do mar significa para ela a esperança de dias melhores. Sente-se bem na Foz do Arelho”, referiu. A sua ligação com o Museu Malhoa surgiu em 2016. Já nas Caldas da Rainha com vontade de voltar a tocar, Tiago precisava de treinar num bom piano, e o dele não é afinado desde 2007. “Às vezes é difícil, para mim, ter que praticamente fazer um desenho para explicar que, embora seja pianista clássico, não sou o filho pródigo de uma família endinheirada”, sublinhou.
Segundo o músico, chegou a viver, com a mãe, abaixo do limiar da pobreza – durante um longo período. “Escrevi para o Museu, e telefonei. Fui prontamente e amavelmente atendido pelo diretor, o Dr. Carlos Coutinho. Ficou a par da minha história e percurso, e disponibilizou o piano de ¼ de cauda que o Museu dispõe – para eu treinar e ambientar-me às pessoas simultaneamente. Assim o fiz, mesmo com interrupções por motivos de saúde, passei a tocar semanalmente no Museu, de maneira informal”, explicou.
No dia 27 de maio deste ano, deu o meu primeiro recital público em dez anos – com a “integral dos Noturnos de Chopin” no Museu José Malhoa.
Vai também este ano dar aulas de piano naAcademia de MúsicadeCaldas da Rainha onde garante dedicar-se de “corpo e alma”.
Quanto à sua ambição como pianista, quer sentir que tudo fez para chegar “ao cerne das emoções e ao íntimo inacessível de quem ouve – fazer alguém sentir-se contemplado, compreendido, identificado”. “Ambições corriqueiras destroem a tranquilidade, e são de valor dúbio para mim. Que o meu instinto dite o rumo, que a necessidade o modere e amadureça”, sublinhou.
Reconhece o valor dos artistas portugueses, referindo que o “sucesso atrai é geralmente um modelo de negócio em que se entrecruzam interesses que o sustentam”. “Precisamos de um sucesso com mais humanidade. Oportunidades, quando não existem, criam-se. E criatividade não nos falta”, afirmou.
Marlene Sousa
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