O bastonário da Ordem dos Médicos remete responsabilidades para a anterior tutela, que acusa de “há muito” conhecer os problemas de escalas e nunca os resolveu.
Em declarações à Lusa, o bastonário da Ordem dos Médicos explicou que não houve responsabilidade médica, uma vez que “não havia condições logísticas para no Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) poderem intervencionar o doente mais cedo e a sua situação clínica não permitia a sua transferência para outro hospital”.
“Houve problemas de logística e de escalas neste caso, porque havia problemas com as escalas por parte dos enfermeiros, e muito legitimamente porque não eram justamente remunerados. A tutela conhecia a situação há muito tempo e não se preocupou em resolvê-la”, afirmou José Manuel Silva, que sustentou, por isso, “que a responsabilidade foi da anterior tutela da Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) e da anterior tutela do Ministério da Saúde”.
Defendeu, igualmente, “todas as responsabilidades devem ser apuradas”, até porque “aquela circunstância específica, que já tinha sido objeto de propostas por parte dos profissionais, poderia ter sido resolvida através da sinergia de meios entre os vários hospitais com recursos de neuroradiologia e neurocirurgia vascular da Grande Lisboa”.
“Podia e devia ter sido resolvido assim. Quem de direito que faça essa avaliação, isso já não é competência da Ordem dos Médicos”, manifestou.
O bastonário admitiu, contudo, saber já de antemão qual será a justificação apontada pela anterior tutela: “A justificação era as restrições financeiras que se fizeram sentir a múltiplos outros níveis no Serviço Nacional de Saúde, e que tem consequências inevitáveis. Ninguém se pode admirar, se o financiamento é insuficiente o sistema falha a múltiplos níveis. É inevitável”, afirmou.
De acordo com o jornal Expresso, três relatórios de peritagens pedidas pelo Ministério Público e pelo CHLC à morte de David Duarte garantem que não houve negligência na assistência prestada ao jovem. As conclusões entregues às autoridades são provenientes do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, do Hospital de Santa Maria e da Ordem dos Médicos.
Questionada pela Lusa sobre alguma decisão já tomada relativa a este processo ou sobre alguma queixa-crime que tenha sido apresentada pela família da vítima contra a anterior tutela (ex-ministro da Saúde Paulo Macedo), a ARSLVT e o CHLC, a Procuradoria-Geral da República limitou-se a afirmar que o inquérito se encontra em investigação, estando junto o relatório de autópsia, e que não há arguidos constituídos.
Morou nas Caldas da Rainha
Natural de Vila Chã de Ourique, freguesia do Cartaxo, David Duarte residiu na cidade das Caldas da Rainha, mas antes da tragédia tinha passado a morar em Santarém com a namorada, de 25 anos.
No dia 11 de dezembro do ano passado, por volta das 14h30, David ficou paralisado do lado direito, sem conseguir formular frases. Tentava falar mas era incapaz. A namorada ligou para o 112 e quando a ambulância chegou, David estava consciente mas foi levado numa cadeira de rodas, visto que não tinha força na perna direita.
No Hospital de Santarém foi logo colocado em observação. Fizeram-lhe exames e foi transferido de urgência para o Hospital de São José.
Em Lisboa, relatou a namorada numa carta enviada ao jornal Expresso, “anunciaram-nos, descontraidamente, que se tratava da rutura de um aneurisma, que o sangue se espalhou pelo cérebro e que, geralmente, estes casos de urgência teriam de ser tratados de imediato, ou seja, o doente teria de ser logo operado. Mas como os médicos referiram, infelizmente calhou ser numa sexta-feira, logo não iria haver equipa de neurocirurgiões durante o fim de semana. O David teria de aguardar até segunda para ser operado. Deram-me a entender que o sangue espalhado pelo cérebro poderia, muito provavelmente, causar sequelas e posteriormente múltiplos AVC”.
David permaneceu no hospital e posteriormente, devido ao agravamento do estado de saúde, foi colocado em coma induzido, que seria uma forma de não permanecer agitado e de o ajudar a respirar, e de modo também a prepará-lo para a cirurgia na manhã de dia 14.
A operação consistiria na remoção do hematoma e do coágulo, selando a veia através e eliminando definitivamente o aneurisma.
Nesse dia, quando a namorada conseguiu contatar o hospital por telefone, ao princípio da tarde, foi informada de que a operação não tinha sido realizada, sem mais explicações. Só horas depois, quando se deslocou ao hospital, ficou a saber que David “tinha tido morte cerebral e que seria irreversível”.
“Não me deram mais detalhes. Completaram esta grave notícia anunciando que no mesmo dia ou no dia seguinte ele seria operado para a doação de alguns dos seus órgãos”, descreveu.
O caso foi conhecido publicamente no dia seguinte através do Correio da Manhã e despoletou uma série de reações, motivando a apresentação de demissão por parte do presidente da ARSLVT, Luís Cunha Ribeiro, da presidente do conselho de administração do CHLC, Teresa Sustelo, e do presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (que inclui o Santa Maria, onde também não há equipa de neurocirurgia vascular durante o fim de semana), Carlos Martins.
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