Milhares de jovens desertaram durante o período da guerra colonial, tema que “continua a ser um assunto tabu em Portugal”.
Milhares de jovens desertaram durante o período da guerra colonial, tema que “continua a ser um assunto tabu em Portugal”. Embora já se tenham passado alguns anos as opiniões dividem-se e por isso a Associação de Exilados Políticos decidiu lançar o livro, intitulado “Exílios”, onde incorpora 22 testemunhos de desertores portugueses, que saíram de Portugal, por se recusarem a combater por razões políticas, mas também por motivos morais e éticos. Essa obra foi apresentada no café-concerto do Centro Cultural e de Congressos de Caldas da Rainha, na passada sexta-feira, com a presença de vários intervenientes, como é o caso do historiador Pacheco Pereira.
A apresentação da obra, que decorreu num ambiente cheio de memórias e recordações, levou muitas pessoas a assistir à sessão moderada por Isabel Xavier, presidente do Património Histórico.
Fernando Cardoso, presidente da Associação dos Exilados Políticos, começou por salientar que “durante treze anos de guerra esvaiu-se a juventude portuguesa, pois cerca de 150 mil jovens emigraram e outros desertaram”.
“Esses que não foram decidiram publicar os seus testemunhos e escrever memórias, que são história, contra a alegria e uma certa anarquia”, salientou.
Segundo Fernando Cardoso, que desertou para França onde viveu exilado desde 1970 até 1976, “este livro nasceu na altura do Maio de 68, através de uma conversa entre amigos e antigos camaradas, que pensaram ser importante dar a conhecer as memórias e as histórias do seu exílio”. No entanto, só há dois anos o projeto ressuscitou para falar de uma “Europa de cidadãos solidários, que se aventuraram num país desconhecido entre 1961 e 1974”.
O livro ‘Exílios’ reúne 22 testemunhos escritos e cantados – inclui um CD com a gravação de músicas do cantor Tino Flores, na Suécia, em 1973 – de exilados clandestinos, que saíram de Portugal durante a Guerra Colonial, pois” não pactuavam com o regime fascista, nem com a Guerra Colonial”.
“Foi uma geração que saiu com a ideia de voltar para derrubar o regime podre e repressivo, uma geração antimilitarista nem sempre compreendida pelos militares que fizeram a revolução para quem a deserção continua a ser um assunto tabu”, concluiu Fernando Cardoso.
Rui Mota, ex-exilado e um dos testemunhos do livro, também participou na apresentação da obra, onde falou sobre a sua experiência de exilado na Holanda e as organizações holandesas, que foram solidárias com os portugueses. Como “não havia alternativa para ficar em Portugal e ir para a guerra era uma situação que estava fora de questão, restava o exílio”.
“A Holanda permitia o acesso dos exilados portugueses através de uma legalização formal. Davam-nos uma licença de estadia e disponibilizavam apoios sociais”, referiu o ex-exilado, acrescentando que “à medida que a comunidade portuguesa exilada ia crescendo, um dos pontos centrais da nossa mobilização foi a luta pelo reconhecimento do estatuto exilado político”. Também salientou que durante essa estadia, a comunidade portuguesa exilada não ultrapassou os 200 portugueses refugiados e paralelamente existia uma comunidade de 1500 emigrantes.
Igualmente recordou a criação do primeiro Comité de Desertores e Refratários na Holanda nos anos 70, que estava organizado em rede e atuava em três áreas distintas: luta pelo reconhecimento do estatuto de exilado, luta contra a ditadura fascista portuguesa e denúncia da guerra colonial. Também destacou a importância da Amnistia Internacional, que teve “papel importante na divulgação da situação dos refugiados portugueses na Holanda e na criação de uma rede clandestina de apoio aos desertores que pretendiam chegar à Escandinávia”.
“O livro é sinónimo de mérito”
Pacheco Pereira, historiador destacou uma frase de um historiador, que escreveu que “o exílio tinha sido uma opção de carreira. Isso é um absurdo”, esclareceu. Também salientou que esta “geração tinha de tomar uma opção de vida global: ou fazia a guerra, ou desertava ou era refratário”.
“A ditadura portuguesa é a mais longa da europa ocidental, moldou muito a nossa geração”, frisou Pacheco Pereira, relembrando que “a maioria das pessoas não tinha a consciência que este processo iria ser interrompido em 1974”. Também admitiu que eram opções que implicavam “muitas dificuldades, muito sofrimento, mas na verdade não eram complicadas do ponto de vista moral”.
Para Pacheco Pereira, este livro conhece dois aspetos, o “processo de depuração, entre a memória coletiva dos exilados e aquilo que vai ser o tempo” e ainda “a experiência de exílio é apenas uma parte da vivência durante o exílio”. Ainda destacou que ficaram de fora outras correntes como o exílio comunista e as organizações maoístas.
O convidado também salientou que a “experiência de deserção é a mais traumática, na medida em que há upgrade do mal”, bem como do “ponto de vista cultural é uma geração que tem um papel muito importante na história das mentalidades em Portugal”.
“A nossa geração vivia os conflitos em tempo real”, referiu, pois apesar das dificuldades de comunicação “modernizou a linguagem da vida política”.
“O livro é sinonimo de mérito”, frisou Pacheco Pereira, acrescentando que a obra fala sobre uma parte do exílio. No entanto, “é muito importante para nós percebermos a difícil vida dos exilados”.
Na sessão também intervieram outros “desertores” para falar da sua experiência de exilados, como foi o caso de Carlos Ribeiro, Ana Rosenheim, Fernando Cardeira, Alberto Veríssimo e Fernando Varela.
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