Na verdade, agora que o escrevemos, sentimos que luxos temos tido muitos: caminhas, casas maravilhosas, pessoas fantásticas, boleias inesquecíveis. Comida boa, roupa lavada. É ou não um luxo?
Quando saímos de Portugal sabíamos que queríamos atravessar a Europa com alguma rapidez. A Europa podemos voltar a visitar a qualquer momento, está perto de casa e à distância de um curto voo, normalmente a preços acessíveis. E, não só por isso. O desejo de abraçar culturas diferentes, ambientes novos, é grandioso.
Mas na Europa temos também muitos amigos, o que nos fez atrasar nesta travessia. Um atraso bom para a alma, bom para o coração. Mas, de repente, num abrir e fechar de olhos, tínhamos atravessado Espanha, França, Itália, Eslovénia, Croácia, Servia e tínhamos chegado à Macedónia.
Chegar à Macedónia foi uma aventura. Não maior que todas as outras até então, mas foi muito rica em novas experiências. Saímos de Belgrado, na Sérvia, bem cedo. Afastámo-nos do centro da cidade e, depois de uma pequena caminhada, estávamos à entrada da via rápida, que nos levaria à autoestrada na direção da Macedónia.
Skopie era o nosso objetivo, e portanto ali ficámos até parar o primeiro carro. Conduzia-o um senhor iluminado. Tão simpático, sorridente e prestável. Feliz por nos conhecer, partilhou que fez muitas viagens à boleia com a nossa idade. Deixou-nos depois nas portagens, onde se daria início a autoestrada. Ali fizemos várias apostas entre nós: por brincadeira ou para passar o tempo, vamos balbuciando de tudo. E ali dissemos que “a segunda boleia seria de um camião” e que “a probabilidade de apanhar boleia de um carro italiano nesta travessia seria de 0%”. Apostas feitas, foi a vez de parar um camionista. Ficou assim encerrada a primeira aposta, certeira e com rumo direto para Skopie!
No camião a comunicação era rudimentar. Umas palavras em croata, outras em polaco e mais umas em inglês. Gestos e sorrisos, conseguíamos entender-nos. E o mais engraçado no momento, tínhamos wifi “a bordo”. Pelo caminho, comprou-nos comida e ofereceu-nos água. Mas foi também pelo caminho que percebemos que não nos poderia levar exatamente até à cidade. Aliás, não poderia levar-nos até à Macedónia sequer. E o pior, foram 5 horas para fazer 200 quilómetros. Mas valeu a pena. Porque conhecer pessoas assim vale sempre a pena! Quando nos deixou em plena autoestrada, estávamos receosos. Na Europa, pedir boleia numa autoestrada não é permitido e é perigoso. Olhámos em volta e havia uma tasca! Sim, uma tasca na berma. Percebemos então que ali valia tudo. Mas foi quando nos voltámos que vimos um polícia. Estremecemos. Mas logo nos passou: o polícia estava também à boleia em plena autoestrada! E claro, com a sua bela farda de vantagem, desenvencilhou-se primeiro que nós. Agora sim, valia mesmo de tudo ali.
Este primeiro contato com as diferenças foi muito interessante. Interessante porque à medida que nos afastamos de cidades europeias o choque não é grande, mas existe. Mais ainda para quem se afasta lentamente, à boleia e por terra. Mas dali conseguimos uma boleia de um outro carro. Nesse, o caminho decorreu com pouca comunicação. Não havia margem além do servo-croata e portanto a barreira era grande. Em pouco tempo, estávamos os dois quase a dormir ou mesmo a dormir. Mas foi uma boleia rápida: e fomos novamente deixados (literalmente) em plena autoestrada.
Em qualquer outra parte percorrida por nós até então, diríamos que era uma péssima ideia. Mas não foi. Mostrámos a nossa placa com “Skopie” escrito e o segundo carro que passou por nós parou. Acontece que o carro tinha matrícula italiana. Sim, uma boleia de um carro italiano. Sim, foi essa a segunda aposta, em 0%. Pois é, o mundo é uma graça de tão imprevisível. E, sem exageros, foi uma boleia muito querida. Deu até tempo para bebermos um café e trocarmos fotografias das nossas famílias.
Por fim, a última boleia do dia, foi já para o centro de Skopie. Essa, foi um casal macedónio que nos deu. Falavam inglês (o que começa a ser pouco comum!) e sorriam-nos e olhavam para trás sempre que nos faziam mais perguntas, e mais perguntas, curiosos e fascinados. E nós, gratos! E assim chegámos à Macedónia. Encontrámos um país muito diferente. À chegada, pudemos avistar muitas crianças sozinhas pelas ruas. Soubemos que por aqui um salário usual são 200 euros, o que mal permite suportar a alimentação. Encontrámos uma cidade suja e cheia de contrastes. Acreditamos ter começado a assistir a diferenças culturais. Mais que diferenças sociais.
Pela cidade encontrámos pessoas a vender no chão ou em cima de caixotes. Encontrámos crianças abandonadas, a pedir e completamente desmazeladas. Muita gente a mendigar. Muito mais miséria. Muito mais confusão.
E também em Skopie encontrámos dois lados dentro da mesma cidade: um mais europeu, chamemos-lhe chique e cuidado, ainda que sujo e confuso: outro mais asiático, chamemos-lhe pobre e desleixado.
Também o fato de tudo se encontrar em cirílico nos tenha feito sentir já longe das nossas origens. Por palavras é difícil descrever, mas convidamos todos os que queiram a acompanhar o nosso blogue, havendo por lá algumas fotografias. Ainda assim, nem mesmo as fotografias são suficientes. Porque não há nada como sentir o cheiro das ruas. A hospitalidade da gente. Pela rua, querem oferecer-nos ajuda. A troco de um sorriso. Talvez seja esta a melhor moeda de troca do mundo. A mais poderosa. E a mais bonita. O sorriso.
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