“A vida e a obra de Aristides de Sousa Mendes é extremamente importante nos tempos que correm na União Europeia, pois foi um homem de elevada coragem, que arriscou tudo para fazer o que deve ser feito”. Foi valorizando este “exemplo de um compatriota”, que Ana Gomes começou a sua intervenção.
A diplomata recordou que ainda hoje existem muitas pessoas com “cânones muito tradicionalistas e muito influenciadas por uma imagem salazarenta”. Perante a crise dos refugiados, disse que “nos dias que correm é importante lembrarmos Aristides de Sousa Mendes”, pois a Europa está a atravessar uma fase muito “difícil e comprometedora”.
Ana Gomes também relembrou que esta crise é a “mais abaladora de todas desde a construção europeia”, onde está posta em causa a credibilidade e os direitos humanos. Destacou ainda a “perda da memória histórica de muitos europeus”, a falta de resolução dos conflitos pela via da negociação e da diplomacia, a “fase consumista que vivemos atualmente” e por fim, “o potencial devastador e destruidor das armas”.
A convidada sublinhou que esta vaga de refugiados pode ser uma “oportunidade de rejuvenescimento da comunidade”, de forma a compensar a “tremenda perda” que foi a saída de jovens qualificados do país. “É nossa obrigação ajudá-los e superar certas contradições que temos no país”, frisou Ana Gomes, acrescentando que ao contrário de certas correntes xenófobas, “a verdade é que não há soluções, pois as pessoas vão vir de qualquer maneira para fugir às barbaridades terroristas”. Igualmente lamentou a falta de vias legais e seguras para os refugiados poderem vir, continuando a alimentar a rede de traficantes.
Outro aspeto focado foi o Tratado de Schengen, tendo sido “a melhor maneira de proteger as fronteiras externas da União Europeia”.
A eurodeputada contou que já tinha alertado no Parlamento Europeu que esta “crise vinha aí”, devido à constante ameaça terrorista, a existência de conflitos e a falta da intervenção da União Europeia nos mesmos. “Há cinco anos que temos guerra na Síria e é primeira vez que alguém está a tentar cessar fogo”, sublinhou, adiantando que se tivesse havido uma maior intervenção da União Europeia, talvez “a Síria não chegaria ao estado que chegou e não estaríamos a ser confrontados” com esta vaga de refugiados.
No caso das ameaças disse que “estamos sujeitos não só a externas mas também internas”, pois os terroristas que têm atacado a Europa são “filhos de segunda geração de emigrantes europeus”. Para a diplomata, estes jovens das comunidades que se radicalizaram, são “alvos fáceis” de recrutamento para o Estado Islâmico, pois têm “uma perspetiva tão negativa das sociedades em que estão inseridos, que sentem-se discriminados, mal tratados e ainda ressentem-se da falta de oportunidades”.
“Esse desespero é o que os torna alvo fácil de recrutamento”, esclareceu Ana Gomes, adiantando que o Estado Islâmico faz uma propaganda feita com esquemas de encenações, que nada tem a ver com fundamentos de religião. Segundo a deputada, tem a ver com a cultura que temos hoje, que são jovens nascidos em famílias desestruturadas, sendo “elementos secundarizados e alvos fáceis para os lobos da internet”.
Todo esse cenário, “uma tremenda crise como resultado de sobreposição de várias crises”, está relacionado com “as políticas desastrosas de austeridade, as fracas lideranças europeias, que levaram a uma racionalização das políticas em que cada um fez o que lhe apetecia” e não cumpriram o que foi adotado a nível europeu. Deu como exemplo o caso da Líbia, em que os estados membros, cada um trabalhou por si em rivalidade.
“Nós só vamos ser eficazes se trabalharmos em modo europeu, lutando todos em conjunto”, afirmou a diplomata, salientando que a “solidariedade e a segurança da Europa também está em causa”.
“Não vamos ter ilusões, este problema não será revolvido enquanto não trabalharmos, apoiamos e envolvermos as nossas comunidades muçulmanas”, apontou a deputada, acrescentando que ainda virão mais refugiados.
No caso de Portugal, Ana Gomes referiu que “as pessoas não vêm para o país porque não tem informação suficiente e nem sabem que existe. Este é um problema dos governos”.
Para terminar, Marina Ximenes, membro do Conselho da Cidade, fez um balanço “bastante positivo” do ciclo de conferências, que tiveram convidados das várias áreas e que “reforçaram a ideia do grande mérito que teve Aristides de Sousa Mendes e conseguiram dar uma panorâmica sobre a atual situação e o que devemos fazer” em tempo de guerra.
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