A autarquia julgava ser um terreno baldio e ao longo de quase vinte anos foram extraídos mais de dois milhões de toneladas de pedra. Uma família local reclamou a propriedade, que estaria incluída num morgadio instituído em 1580 e que abrangia todo o território da freguesia. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou, tendo a junta, o empresário que explorou a pedreira e a sua esposa, sido condenados a restituírem o terreno “livre e desocupado”, para além de serem obrigados ao “pagamento solidário de danos patrimoniais”.
O presidente da junta acha exorbitante o valor da indemnização e em protesto a autarquia decidiu suspender a atividade de limpeza na vila e na praia e o serviço de correios e da própria junta, encerrando o atendimento à população na quarta e quinta-feira da semana passada. Foi também declarado “luto por tempo indeterminado”
A população está solidária com a junta de freguesia, que vai recorrer da sentença decidida no Tribunal de Alcobaça, onde o processo foi julgado, para o Tribunal da Relação de Coimbra.
A autarquia considera o valor exagerado e diz não ter dinheiro para cumprir a decisão do Tribunal de Alcobaça, que foi conhecida no dia 23 de junho. No dia seguinte, o presidente da Junta convocou uma conferência de imprensa, ao mesmo tempo que resolveu relatar o desfecho aos habitantes da Foz que compareceram no encontro com os jornalistas.
“É uma contenda que existe há quase trinta anos, em que eu sou o menos culpado, mas que me calhou por tabela. No entanto, tenho de assumir, porque sou eu o presidente da junta, e enquanto for, estarei empenhado a cem por cento”, começou por dizer Fernando Sousa, admitindo que a situação “traz grandes problemas e obstáculos pela frente”.
António Cipriano, o novo advogado a quem o caso foi entregue pela Junta da Freguesia, numa altura em que a sentença estava a ser tomada, relatou que o processo começou em 1989 e teve duas fases. Numa primeira foi discutido se o terreno era da junta ou da família Calado, o que se arrastou até 1998. Na primeira instância a autarquia venceu, mas o Supremo Tribunal de Justiça confirmou que a propriedade era da família.
Numa segunda fase decorreu o processo de determinação do valor de indemnização a prestar. Foram pedidos em 2003 quase 900 mil euros. A junta contestou, mas o Tribunal de Alcobaça veio agora a condenar o empresário João Batista e esposa, e a junta de freguesia ao pagamento solidário de 896.687,92 euros.
João Batista, que já faleceu, nunca contestou o valor. Segundo a autarquia, não há bens suficientes para serem penhorados porque faliu, recaindo na junta a responsabilidade de pagar a indemnização no valor total, uma vez que não pode ser considerada insolvente porque tem património e receitas. O orçamento da junta este ano é de 190 mil euros.
“Perdemos uma batalha mas ainda não perdemos a guerra”, declarou António Cipriano, que explicou que “não será possível evitar o pagamento de alguma indemnização, mas não concordamos com o valor excessivo e desproporcional, já que a família vendeu esse mesmo terreno por 600 mil euros a uma firma de João Batista”. “O valor da indemnização é superior ao valor do terreno”, referiu.
Segundo o tribunal, foram retirados e comercializados 2,210 806 toneladas de pedra, e apontado que João Batista obteve um ganho de mais de cinco milhões de euros, apesar desse valor não constar de declarações fiscais do empresário. A junta receberia 165 euros por mês enquanto durou a exploração.
“Esta é uma decisão que pode colocar em causa o bem comum, pois a junta de freguesia não é rica, precisa de recursos financeiros para prestar serviços à população, e se forem penhoradas as receitas anuais, como fará a limpeza da freguesia, como manterá os funcionários a trabalhar?”, questionou o advogado.
O presidente da junta descreveu à população que todos os líderes parlamentares na Assembleia Municipal das Caldas da Rainha, para além dos presidentes da junta e do presidente da Câmara “manifestaram apoio total à junta”.
“As pessoas que confiaram em mim não merecem que eu abandone o barco. Possivelmente 50% dos presidentes de junta entregavam a chave”, manifestou.
Anunciou depois que a junta iria estar encerrada. “Peço desculpa porque vai causar transtorno os correios não estarem a funcionar, algum atestado não ser passado, não contarem com funcionários e não haver limpeza”, transmitiu à população. Contudo, a situação apenas se verificaria ao longo de dois dias.
Contra “vandalismo” em muro
Fernando Sousa aproveitou para pedir desculpa “em nome da Foz do Arelho por causa dos vândalos que pintaram os muros da Quinta da Foz [que pertence à família Calado]”. Frases pouco abonatárias foram escritas por desconhecidos, mas o presidente garantiu que “a Junta está a leste desta situação”. Ele próprio, “nunca o faria, mas era capaz de fazer muito mais se não fosse presidente da junta”.
“Sou amigo da família Calado mas enquanto for presidente os interesses da junta de freguesia estão acima de qualquer amizade”, fez notar.
Solidariedade na Assembleia Municipal
No dia em que se conheceu a sentença, Fernando Sousa relatou o caso à Assembleia Municipal. Edgar Ximenes, do MVC, movimento pelo qual foi eleito o presidente da junta, afirmou que a postura da família Calado “é uma manifestação de feudalismo inaceitável e o regime democrático pós 25 de abril não pode tolerar que se continue a tratar os cidadãos da Foz do Arelho como seus vassalos”.
Defendeu que quando houver a decisão judicial ao recurso da junta, se não for favorável, deve ser feita uma moção a enviar ao Governo e uma reunião da Assembleia Municipal na Foz do Arelho para tratar do caso.
Vítor Fernandes, do PCP, disse estar solidário com o presidente da Junta e com as ações que desenvolver para minorar a decisão judicial.
Manuel Nunes, do PS, comentou que “apoiamos a junta de freguesia nas iniciativas que achar convenientes para que a população não sinta que está sozinha”, apesar de sublinhar que “respeitamos a separação de poderes [judicial e político]”, pelo que aguarda a nova decisão.
Foi nesse sentido também a declaração de João Diniz, do CDS: “Sou solidário, mas temos de deixar que a justiça funcione”.
Filomena Rodrigues, do PSD, declarou a solidariedade do seu partido com o presidente da Junta, adiantando que “comungo das cautelas, está nas mãos da justiça, mas tudo faremos para que a junta tenha o maior apoio possível”.
O presidente da Câmara, Tinta Ferreira, mostrou-se solidário com a junta “ao ser confrontada com esta decisão violenta”. “Quando uma freguesia sangra, sangra o concelho inteiro”, sublinhou.
O autarca considerou que o valor da indemnização “não é minimamente adequado” e chamou a atenção: “Há situações destas pelo país inteiro e o Estado não faz nada? Será que a legislação e as normas que existem são adequadas aos tempos em que vivemos? Há que alertar o Governo e os deputados na Assembleia da República no sentido de apreciarem se as leis que permitem estes resultados são adequadas ou se o interesse público se deve sobrepor”.
Assegurou, no entanto, que “o serviço público autárquico será executado na Foz do Arelho e a população pode ficar descansada”.
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