“A Fé no dia a dia”, era o título do evento, que levou muitos interessados à igreja daquela vila, à qual Fernando Santos está ligado desde a infância. “Tenho aqui muito amigos de infância e joguei no Gaeirense [recebeu agora o novo cartão de sócio]. A mim nas Gaeiras tratam-me por Fernando. Viram-me crescer. Era um menino que andava à fruta com os outros e aos pássaros. Sou um deles, tenho muitas saudades desses tempos”, relatou ao JORNAL DAS CALDAS.
Católico assumido, afastou desde logo a ideia de que essa sua convicção tenha efeitos no desempenho da seleção. “Vim falar de fé cristã, mas não tem nada a ver com a minha carreira. O que é que Ele tem a ver com isso? Se eu não trabalhar bem não ganho. Se o meus jogadores não correrem, não saltarem, não lutarem, como é que eu vou ganhar? Vou pedir a Deus para ir lá jogar por mim? Isso é outra coisa, isso é fézada”, comentou.
A fé não influencia a carreira mas sim o homem, como reconheceu: “A fé não afeta o meu sucesso profissional. Não consigo ligar as duas coisas. O meu sucesso profissional tem a ver com o trabalho, é independente. Agora, outra coisa é o que a fé me ajuda a crescer como pessoa e nesse aspeto as coisas estão relacionadas. A fé ajuda-me a ser um homem com mais confiança. Cristo é alguém que nos ouve e dá conselhos, e isso ajuda a minha carreira”.
Nem sempre foi assim. “Tive um período em que estive muito afastado da igreja”, contou, revelando que “o que me fez mudar foi quando, em março de 1994 [durante um curso de cristandade] ouvi alguém dizer que Cristo está vivo em cada um de nós. É nisto que acredito. Acredito na ressurreição, sou um devoto de Nossa Senhora e vou todas as semanas a Fátima, mas não ando à espera de milagres”.
“Acreditar em Deus não nos faz mais ou menos cristãos. Como é que é possível as pessoas que dizem que têm fé mas não vão à missa? Uma das coisas que Ele pediu antes de morrer foi “fazei isto em memória de mim”. É uma obrigação natural de quem acredita Nele”, manifestou.
Fernando Santos não quis falar de futebol, mas acabou por relatar alguns episódios da sua vida em que a fé e a sua carreira se interligaram. Um dos casos foi quando tinha decidido deixar de ser treinador do Estrela da Amadora, na altura em que o clube estava com maus resultados. “Saí do campo e fui para uma eucaristia em Cascais”, recordou. Na leitura do evangelho a mensagem demoveu-o. “Era a leitura do livro de Jonas [que pede para ser atirado para fora do barco por acreditar que os seus atos eram os responsáveis pela tempestade que o assolava, mas acabou por sobreviver]. Era a mensagem de que não podia ir embora e que tinha de aguentar”, afirmou.
“Quando cheguei à Grécia [onde treinou], a primeira que fiz foi perguntar onde é que havia uma igreja cristã católica onde pudesse participar na eucaristia. Todos os meus jogadores e equipas sabem que ao sábado ou ao domingo participo em eucaristias. Dou testemunho e assumo a minha fé em qualquer país”, declarou, assegurando que não pretende convencer ninguém.
“Respeito os jogadores, quer se benzam ou não, quero é que joguem bem”
“Como treinador de futebol, tenho nas minhas equipas gente de várias convicções religiosas e gente que não tem. Eu respeito os jogadores, quer os que se benzem ou os que não. Só tenho é de respeitar e só quero é que eles joguem bem”, disse.
Lembrou que “quando fui treinador do Estrela da Amadora comecei a ir para o norte com a equipa e pensei em evangelizar. Então disse ao motorista da camioneta para levar os jogadores a beber café a Fátima em vez de tomarem na autoestrada. Passámos a fazer isso. Eu ia ao santuário e eles vinte minutos ao café. Quando saí do clube deram-me uma imagem de Nossa Senhora de Fátima”.
Antes de cada jogo, Fernando Santos reza a Deus. Mas não Lhe pede nada, apenas deixa uma mensagem: “Digo-Lhe que estou nas suas mãos e que me entrego. No fim, ganhe ou perca, vou sempre dizer obrigado. Mas também quando me levanto a primeira coisa que faço é oferecer o meu dia a Deus e antes de dormir é dizer obrigado por este dia, mesmo havendo coisas durante o dia que não foram como as que eu queria, mas que ultrapassamos pela fé”.
No final da conversa, o selecionador disse que no futebol não é preciso ter fé, “senão metíamos uma equipa de padres a jogar”. “O que é preciso é acreditar e ter confiança, mas isso não é fé”, esclareceu.
Numa faceta diferente da habitual, Fernando Santos deu o testemunho da sua fé, assumindo que é algo que já faz há muitos anos em palestras, que o grande público desconhece. Desde há vinte anos que leva consigo no bolso um crucifixo que o lembra que Cristo está sempre com ele.
Neste encontro nas Gaeiras, Fernando Santos dedicou a palestra aos seus pais, que já faleceram. “O estar aqui tem muito a ver com a memória deles”, indicou.
Francisco Gomes
0 Comentários