O homem ter-se-á apercebido da operação e, por volta das 10h, “pôs-se em fuga, saltando de uma altura de um 3.º andar para as traseiras da sua residência e descendo através das varandas dos outros andares do mesmo imóvel”, explicou o SEF.
Na fuga, foi auxiliado por um conterrâneo (também residente nas Caldas da Rainha e cujo local de trabalho se situa perto da casa do homicida), que “o transportou de carro para um local afastado”.
Na operação de captura, durante cerca de duas horas foram “controladas as centrais de transportes rodoviárias e ferroviárias da zona, todas as artérias da cidade e a morada de onde tinha encetado a fuga”.
De acordo com a Lusa, o homicida acabou por ser localizado novamente cerca das 12h30, junto da sua casa, tendo sido detido pela equipa que aí se encontrava em vigilância, sem resistir à detenção.
A operação foi discreta e segundo uma testemunha ocorreu no túnel que existe na Rua Henrique Sales e que dá acesso ao Beco da Fé, próximo do centro da cidade.
O JORNAL DAS CALDAS apurou que a 24 de março deste ano, o Instituto Valério Luiz (criado pelo filho da vítima para acompanhar e divulgar o andamento das investigações sobre o caso e exigir justiça) denunciou a fuga de Marcus Vinícius para a Europa, o que confirmou depois de terem sido vistas fotos do suspeito na página pessoal da esposa na rede social Facebook.
Nas imagens, Marcus Vinícius aparece com toda a família (esposa e duas filhas menores), tendo como pano de fundo paisagens em São Martinho do Porto e Óbidos.
Foi então requerida nova prisão preventiva para o homem, que tinha a profissão de talhante. O seu nome foi incluído na lista de procurados pela Interpol. Agora será requerida a extradição para o Brasil.
Morto por fazer críticas
Valério Luiz tinha 49 anos quando foi assassinado em frente à Rádio Jornal – 820 AM. Eram cerca de 14h do dia 5 de julho de 2012. Deixava a emissora em Goiânia, capital do Estado de Goiás, onde apresentava diariamente o programa “Jornal de Debates” ao longo de duas horas, quando foi atingido por seis tiros no interior do seu carro, que já estava com o motor ligado, por um homem que se aproximou numa mota e o apanhou de surpresa e que conseguiu fugir de seguida em contramão por duas ruas, levando consigo a arma utilizada e ameaçando algumas testemunhas.
O cronista desportivo tinha um programa na PUC-TV e notabilizou-se pelas suas opiniões críticas e polémicas. onde fez denúncias da conduta do empresário Maurício Borges Sampaio, ex-vice-diretor da equipa de futebol Atlético Clube Goianense, titular de um cartório de registos na cidade e proprietário da Rádio 730 AM.
As constantes censuras que a vítima fazia à direção do clube e sobretudo a Maurício Sampaio, gerou entre os dois uma forte animosidade e até a proibição do clube da entrada na sede de equipas jornalísticas da rádio e da tv em que Valério Luiz trabalhava, sob a alegação de que o cronista era “persona non grata”.
Algumas das declarações de Valério Luiz podem ser ouvidas e vistas no Youtube. Numa delas, que o JORNAL DAS CALDAS escutou, o cronista afirmava que a equipa (onde ele próprio jogou quando tinha 15 anos) era fraca e o empresário tentava comprar resultados de um jogo. Outra declaração polémica foi quando disse que “quando o barco afunda os primeiros a saírem são os ratos”, numa alusão à intenção de Maurício Sampaio de se afastar do clube num momento crítico, quando a equipa apresentava um desempenho fraco no campeonato brasileiro de futebol.
Maurício Sampaio prestou depoimento à polícia garantindo que não tinha “relação de amizade ou inimizade” com a vítima e que face às críticas feitas pelo cronista não se sentiu ofendido porque na ocasião já se havia desligado da direção do clube, rejeitando ter feito pressões para Valério Luiz ser despedido. Afirmou também que na altura do crime se encontrava a almoçar em casa.
O inquérito da Polícia Civil apontou Maurício Sampaio, de 55 anos, como o mandante do crime, e como autores materiais o comerciante Urbano de Carvalho Malta, o talhante Marcus Vinícius, o cabo da Polícia Militar Ademá Figuerêdo, de 41 anos, que seria o executor, e o sargento da Polícia Militar Djalma da Silva, de 38 anos.
Urbano Malta tinha vínculos de amizade, profissional e de trabalho (parceria comercial na atividade de transporte de areia) com Maurício Sampaio, inclusive residia numa casa sua propriedade, sem pagamento de aluguer, a qual fica situada em frente ao local onde ocorreu o crime.
Já os polícias militares conheciam Maurício Sampaio devido à amizade deste com o comando da instituição de que faziam parte e asseguravam, tal como Urbano Malta, a segurança do empresário durante os jogos da equipa.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), Marcus Vinícius emprestou ao executor a moto e o capacete, para além de guardar no seu talho a arma utilizada, recebendo dinheiro em troca, entregue por Djalma da Silva, que havia arranjado a arma.
Por sua vez, Ademá Figuerêdo deslocou-se ao estabelecimento do talhante para ir buscar a arma, o capacete, a mota e um telemóvel com o qual, quando se dirigia para o local do crime, se comunicou com Urbano Malta, que estava à espreita nas proximidades da rádio, para relatar o momento em que a vítima sairia da mesma.
Djalma da Silva alegou que no dia do crime estava noutra cidade a prender recetadores de uma carga de cerveja roubada. Ademá Figuerêdo estava de folga mas argumentou estar a fazer segurança de um jornalista na residência deste na altura do crime. Apresentou até imagens de uma camara de videovigilância, que acabaram por levantar suspeitas por estarem incompletas. Os depoimentos do próprio jornalista e de uma empregada doméstica, que garantem que o militar estava no interior da residência na altura da morte, iam ser investigados para averiguação de eventual prática de falso testemunho, mas ambos corrigiram não ter forma de confirmar a versão inicial. Para além disso, uma testemunha, que quase embateu de frente com a motocicleta utilizada pelo autor do homicídio segundos antes do crime, reconheceu Ademá Figuerêdo como sendo o condutor da moto e que, momentos depois, efetuou os disparos que atingiram Valério Luiz.
Todos aguardam em liberdade a decisão judicial, que deve definir se irão a júri popular, mas estão obrigados a comparecer mensalmente no tribunal para justificar suas atividades e encontram-se proibidos de deixar Goiânia sem autorização, mas Marcus Vinícius não cumpriu e fugiu do Brasil. A uma rádio brasileira, deu uma entrevista, a partir de Portugal, onde disse que fugiu com medo de ser morto.
No primeiro interrogatório policial, Marcus Vinícius confessou ter sido o autor dos disparos. Mais tarde retificou o seu depoimento, alegando que tinha recebido ameaças de morte contra si e sua família, afirmando resolver apresentar a verdadeira versão dos fatos a pedido dos seus familiares bem como por não querer responder por uma participação maior do que aquela que teve. Disse então que realmente tinha participado no homicídio mas não como executor, emprestando-lhe sim a moto e o capacete, para além de guardar no seu talho a arma utilizada. Para o efeito teria recebido nove mil reais (cerca de 2900 euros). A mota seria apreendida e reconhecida como sendo o veículo utilizado pelo executor do homicídio, que Marcus Vinícius indicou ser Ademá Figuerêdo. Este declarou não conhecer Marcus Vinícius e que nunca teve qualquer contato com o mesmo, versão desmentida por várias provas recolhidas.
Polícias praticam irregularidades
O caso está envolto em várias peripécias. Uma delas diz respeito a dois delegados de polícia, cuja atuação irregular permitiu que o suposto mandante do crime aguardasse o desenrolar do processo em liberdade.
O MP de Goiás denunciou os delegados de polícia Manoel Borges de Oliveira e Everaldo Vogado da Silva, bem como o escrivão de polícia João Ferreira dos Santos, pelo crime de falsidade ideológica, relacionada com irregularidades que teriam sido cometidas pelos delegados, com a colaboração do escrivão, no apuramento de fatos relacionados com a morte de Valério Luiz.
Segundo descreve a peça acusatória, a 13 de março de 2013 o delegado adjunto do 4º Distrito Policial de Goiânia, Everaldo Vogado, instaurou inquérito policial para apurar delitos de calúnia e outros fatos, a partir da representação feita por Ruy Neto, advogado de Maurício Sampaio. Nesta época, Maurício Sampaio e Marcus Vinícius estavam presos como suspeitos de envolvimento na morte de Valério Luiz. O primeiro foi denunciado como mentor do crime e o segundo como coautor da execução.
A representação feita pelo advogado pedia a apuração de delito que teria sido cometido por Lorena Oliveira, viúva do cronista desportivo, em entrevista a um jornal de Goiânia, na qual ela afirmava que pessoas ligadas a Maurício Sampaio estariam a assediar com ofertas de dinheiro Marcus Vinícius, apontado como executor de Valério Luiz e que estava detido na carceragem da Delegacia Estadual de Investigações de Homicídios (DIH).
O delegado Manoel Borges, sem a presença do colega Everaldo, que presidia o inquérito referente à representação, dirigiu-se à DIH no dia 4 de abril de 2013 para obter o depoimento de Marcus Vinícius. No momento das declarações, sustenta a denúncia do MP, participavam do ato investigatório apenas Manoel Borges, Marcus Vinícius e o escrivão João Ferreira dos Santos. “Mesmo com a ausência do presidente do inquérito, o denunciado Manoel fez constar, falsamente, no termo de declarações a presença e o nome do delegado Everaldo como a autoridade policial responsável pela colheita das declarações de Marcus Vinícius”, alega a peça acusatória.
Conforme destaca o MP, no decorrer do interrogatório, Manoel Borges interrogou Marcus Vinícius sobre o envolvimento de Maurício Sampaio no crime contra Valério Luiz. No depoimento, afirma a denúncia, o delegado fez inserir falsamente no termo de declarações, como resposta de Marcus Vinícius, a seguinte frase: “…que não tem conhecimento da participação do Maurício Sampaio neste episódio que resultou na morte de Valério Luiz…”.
Na avaliação do MP, o escrivão João Ferreira teria auxiliado na falsidade ao registar, conscientemente, sob a orientação de Manoel Borges, as declarações inverídicas mencionadas. Já a conduta delituosa de Everaldo Vogado ocorreu quando inseriu falsamente a sua assinatura no termo de declarações Marcus Vinícius, como se ele próprio tivesse conduzido o interrogatório. “Ele também procedeu dolosamente, pois, mesmo ciente da falsidade (sabia que não havia praticado aquela atividade investigatória), subscreveu o termo de declarações questionado como se houvesse presidido e participado do ato, para atribuir ao documento aspeto de regularidade e oficialidade”, argumenta a denúncia.
O MP relata na peça acusatória que, ao ser novamente ouvido pela Gerência de Correições da Polícia Civil, na presença de seu advogado, no dia 22 de maio de 2013, Marcus Vinícius assegurou desconhecer o termo de declarações, assinado em 4 de abril, como o referente às informações prestadas ao delegado Manoel.
Cópia do termo de declarações falsificado, lembra a denúncia, foi fornecida aos advogados de Maurício Sampaio e, com base neste documento, foi pedido habeas corpus em favor dele no Tribunal de Justiça, que deferiu o pedido e determinou a libertação do arguido. No voto que prevaleceu, sustenta o promotor do MP, foi decisivo o conteúdo do termo de declarações falsificado.
O crime de falsidade ideológica tem pena prevista de um a cinco anos de reclusão, quando a falsificação incide sobre documento público, sendo aumentada de um sexto quando os envolvidos são funcionários públicos.
Francisco Gomes
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