Este concerto começou com quatro músicas do novo álbum e depois fez um périplo por todo o trabalho do artista, desde o seu início com os Bandemónio até agora. Depois de uma fase de baladas, foi o próprio Abrunhosa que disse, “estão despachadas as baladas, agora é muito funk”. E assim foi. Até final ainda houve oportunidade para que, todos quantos quiseram, poderem subir ao palco e dançar ao som das músicas mais ritmadas.
Depois da primeira saída de palco, regressaram para o primeiro encore em que continuaram a desfilar as músicas conhecidas, desta feita com a chamada a palco dos mais jovens. Assim, um grupo de crianças ajudou a cantar “Rei do Bairro Alto” para, logo de seguida, ser Pedro Abrunhosa a fundir-se com a plateia e balcão, cumprimentando um a um os espectadores, obrigando a verdadeiros exercícios nas cadeiras para se poder continuar a vê-lo.
O segundo encore trouxe aquela que é já um hino, “Para os braços da minha mãe”, apenas a piano e voz, que foi ouvida em perfeito silêncio e muito ovacionada no final.
Foi já com muita gente fora da sala e depois de quase três horas de concerto que ainda regressaram de novo, apenas para uma música que, confessou Abrunhosa, não conseguiu deixar de a cantar e, por isso o concerto das Caldas da Rainha terminou com “Tudo o que eu te dou”, entoado por todos quantos ainda estavam na sala.
No final, Abrunhosa concedeu ao JORNAL DAS CALDAS uma entrevista exclusiva.
“Com um público como este, o concerto tinha de ser num crescendo brutal”
JORNAL DAS CALDAS: Tem feito concertos no país todo, sempre esgotados, sempre com muita emoção, como foi este. Aqui nas Caldas foi mais um concerto?
Pedro Abrunhosa: É muito difícil repetir um concerto e é muito difícil dizer que os concertos são iguais embora as músicas possam ser as mesmas. O alinhamento é sempre diferente. Neste caso foi um concerto especial, eu mudei o alinhamento a meio do espetáculo. Assim como se poderia dizer que um desafio de futebol é sempre igual, porque são onze a jogar de cada lado, tem uma bola e tem um árbitro, de vez em quando há um que é expulso, depois há um golo que entra mas poderia dizer-se que os desafios são iguais, mas não são. E os concertos também não. E sobretudo não são iguais quando, num estádio, num desafio está o público a ocupar a bancada toda e a impelir a equipa para vencer e quando numa sala como esta, com esta categoria, com esta classe, com esta elegância e qualidade, está a empurrar o grupo para marcar golos atrás de golos e portanto o que aconteceu foi um crescendo brutal, ao ponto de me ter feito mudar de tática a meio do desafio.
JC: “Contramão” parece estar a ir no caminho certo, é mais um sucesso…
PA: Sim, o disco está a fazer trajeto muito bom, fico muito contente por estar consentâneo com as pessoas, o que quer dizer que as pessoas, provavelmente, estavam a precisar de uma contramão, depois de tantas contraordenações…se calhar estava na altura de mostrar que é a nossa vez de dar a mão. E dar a mão no sentido de dizer – é por aqui! Este tem sido um caminho penoso que Portugal tem atravessado e a música, de uma forma geral, a arte, tem servido para aliviar a poeira dos dias. Mas não chega, porque a arte transforma a longo prazo. No curto prazo somos nós que temos que fazer as coisas. De alguma forma, esta empatia com o público representa que as pessoas estão muito necessitadas de encantamento, de fraternidade, de humanidade e de magia nas vidas. De sonho!
JC: Estão necessitados de descobrir a luz que está dentro de cada um, como disse no palco?
PA: Pois…isso tem sido também um percurso ao longo daquilo que têm sido os meus concertos. Tenho descoberto que esta ligação com o público é uma ligação genuína. Ali não há subterfúgios. É uma ligação genuína de prazer e de gozo, de dádiva em cima do palco e de perceber que as pessoas com meses de antecedência se deslocam aos sítios para comprar bilhetes e esgotam noite após noite. Isto ano após ano. As pessoas que têm essa atitude, que muito me comove, de ver as datas a esgotar com meses de antecedência, o que quer dizer que precisam de alguma luz mas que também me fornecem essa luz. Portanto, esta cumplicidade que eu tenho com o público já vem de há muito tempo e que é muito genuína. O espetáculo é muito genuíno. Eu uso óculos escuros mas tenho uma visão muito transparente. Os meus olhos são muito transparentes e eu acho que o público sente isso. Esta é uma partilha de emoção, de afeto, de visão de mundo e, mais uma vez, de encantamento mútuo.
JC: Não se coíbe de dar a sua opinião. Fá-lo nos meios de comunicação, fá-lo nos seus espetáculos. Isto é a cantiga de intervenção? Aquilo que há 40 anos ajudou a mudar este país. Acha que passados estes anos e com toda a informação disponível ainda se consegue fazer isso através da música e da arte?
PA: Bom, cantiga de intervenção é uma expressão que surgiu nos anos 60, sobretudo nos Estados Unidos, com Joan Baez, Woodie Guthrie, Bob Dylan, uma cantiga de rua, muito próxima das pessoas. Em Portugal com o José Mário Branco e tantos outros. Ora, essa finalidade prática, hoje em dia, é muito mais consignada às redes sociais e à imprensa. Atentemos que, na altura, não havia redes sociais e nem a imprensa era tão democratizada como é, portanto a música, nessa altura, tinha um propósito muito mais utilitário. Era como se não houvesse gavetas e agora há, portanto, as pessoas arrumavam as coisas como podiam. Hoje em dia, com as redes sociais e com esta globalização da opinião, a canção não tem esse papel utilitário, tem um papel sim, de servir para levantar o espírito, para lavar a alma, para dar esperança às pessoas, como de resto já tinha na altura. Mas não essa finalidade prática de “estamos aqui, vamos lutar, vamos mudar o mundo”, é um pouco quimérica, um pouco utópica, mas que se prolonga na cidadania, ou seja, todos nós podemos, no local de trabalho, no dia a dia fazer qualquer coisa que seja um ato de cidadania. E esse não funciona só quando nos colocam uma lixeira à porta e nós somos contra. Esse ato de cidadania vem muito antes, vem nos momentos em que pagamos impostos, em que dizemos que estamos de acordo com a política deste governo, isso é um ato político, vem no momento em que votamos…portanto a música é só mais uma das atividades humanas, que também é política, mas que é sobretudo humana que, como dizia o Oscar Wilde, “a arte não serve para nada” e tinha razão mas que, obviamente era uma ironia, porque acrescentava uma coisa: “serve apenas para nos mostrar o caminho”. É para isso que serve a arte. É também um pouco um substituto da religião, da espiritualidade ou um complemento de ambas, um complemento às armas ou um substituto das armas. Pode ser tudo, mas é sobretudo arte! E portanto, como arte que é, não é utilitária.
“Os meus óculos são uma maneira de me proteger da devassa do dia a dia”
JC: Começou com jazz e música clássica. Onde é que elas estão neste momento da sua vida?
PA: Estão no palco! Se não fosse isso, não era possível um concerto destes.
JC: É a base de tudo isto?
PA: É! De resto o jazz está muito no palco e a direção do grupo vem muito da minha experiência a dirigir orquestras, a dirigir alguns compositores e a estudar composição. Está tudo em cima do palco.
JC: Os seus óculos foram uma ferramenta de marketing que usou de início. Estava à espera de ter que os usar durante tantos anos?
PA: Não foi bem uma ferramenta de marketing. Foi…acontecendo! É mais uma maneira de eu me proteger da devassa do dia a dia, da minha vida privada.
JC: Pesou de início que isso podia durar estes vinte e tantos anos?
PA: Não, mas também nunca dei muita importância a isso.
JC: E já pensou vir a tirá-los?
PA: Não, como não dou importância a isso, também não penso nisso!
0 Comentários