Os resultados estão à vista. Se ainda existia, a ilusão de intocabilidade das máquinas partidárias colapsou no dia em que nenhuma das forças políticas costumeiras conquistou a segunda autarquia do país. Se a perda do Porto não foi um cartão vermelho ao establishment, é impossível aferir o que seria. Não que a vitória de Rui Moreira substancie, necessariamente, uma mudança de rumo. Na verdade, é provável que sinalize o oposto: a continuidade da prudência orçamental que caracterizou a era Rui Rio. Aí, o facto incomum é a escala da chapada com que os eleitores replicaram à soberba dos partidos políticos. Se até aqui não seria absurdo etiquetar Portugal como uma partidocracia, uma pátria em que o acesso ao poder se determina nos corredores do Rato e São Caetano, esse período terminou com a vitória, na segunda urbe do país, de alguém exterior – embora não avesso – aos partidos.
O abanão foi bem merecido. Para concorrer em Gaia, uma câmara que poderia ter vencido com maioria absoluta, a Maioria escolheu um nómada político que faz da itinerância partidária uma forma de vida. Em Sintra, optou por ignorar as suas estruturas locais e impor ao município um homem que, pesem ou não as suas virtudes pessoais, lhe é estranho. Em Matosinhos, reduto socialista a norte, sucedeu algo semelhante: porventura devido a desentendimentos entre o autarca e a direção do partido, o PS decidiu retirar o apoio ao candidato incumbente. O resultado foi uma monumental nódoa na vitória socialista de domingo. Já no Porto, os sociais-democratas optaram por apoiar um candidato cujo discurso populista contrastou em tudo com a mensagem de contenção que o partido protagoniza a nível nacional. E os portuenses responderam-lhes entregando a câmara ao homem de contas certas e ideias claras que o centro-direita deveria ter apoiado desde o primeiro momento.
A independência, escrevia eu antes das autárquicas, corporiza amiúde uma fachada eficaz para os derrotados do xadrez partidário. Por si só, não é virtude nem defeito. Nestas últimas eleições, contudo, foi a resposta possível a um universo partidário que aparenta recear até os seus militantes. E isso é algo que só se resolve devolvendo ao eleitorado a centralidade decisória que ele merece. Se quiserem reinventar-se, os partidos – sobretudo, os do flagelado centro-direita – serão obrigados, mais cedo ou mais tarde, a decidir-se pela introdução de primárias abertas. A ideia de que devem ser os eleitores, e não os apparatchiks partidários, a escolher candidatos pode até não ser nova. Mas talvez recorde as sedes partidárias do espírito de representação e serviço que estas aparentam ter perdido. Tome esse sentido, e a “reflexão” prometida no domingo será das mais importantes da Terceira República.
Rafael Borges
Vogal do Gabinete de Estudos Gonçalo Begonha
Membro da Direção Nacional da Juventude Popular
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