O Hospital Termal das Caldas da Rainha, o mais antigo do Mundo, encontra-se fechado devido à presença de uma bactéria nas canalizações e o Ministério da Saúde já informou não ter capacidade para gerir o estabelecimento. O Município tenta desta forma revitalizar a estância.
A autarquia terá de pagar uma compensação anual calculada com base na água extraída das captações, elaborar um projeto de construção de um estabelecimento termal e um projeto de preservação do antigo balneário e respetivas nascentes termais que se localizam nas caves do edifício. Deverá também instalar um sistema de monitorização de todas as captações e elaborar um estudo de viabilidade de aproveitamento do recurso.
Segundo a minuta do contrato para atribuição de direitos de exploração, o Município apresentará uma caução, sob a forma de garantia bancária, à ordem da DGEG, no montante de dez mil euros.
Os pormenores do contrato estão a ser analisados por uma comissão de deputados municipais, para posterior tomada de decisão.
No passado dia 6 realizou-se uma reunião extraordinária da Assembleia Municipal, que terminou inconclusiva, dado as diferentes opiniões manifestadas.
Numa sessão com grande presença de público, foi exatamente daí que se começaram a ouvir as vozes de protesto contra este negócio.
Antes, Tinta Ferreira, presidente da Câmara em exercício, apontou que “o facto de termos a água primeiro do que o património é importante”. O autarca revelou que a Câmara deliberou por unanimidade (o vereador Rui Correia, do PS, esteve ausente) aceitar candidatar-se, com alterações nos encargos de exploração, passando a taxa de 20 para 10 cêntimos por metro cúbico de água extraída, reduzindo ainda o valor do coeficiente de aproveitamento do volume extraído de 70 para 60 por cento, para baixar os custos. A autarquia propôs também que os encargos de exploração só começarão a ser pagos no ano civil subsequente ao término dos investimentos a realizar, não havendo lugar a pagamentos retroativos. Por sua vez, foi proposta a revisão dos encargos de exploração de dez em dez anos, em vez de cinco.
A DGEG entende que o hospital termal não reúne condições para o desenvolvimento da atividade, mas a Câmara sugeriu que a Assembleia Municipal aprovasse uma alteração às obrigações do Município como concessionário, no sentido de que enquanto o estabelecimento termal a construir não estiver concluído, a DGEG deverá autorizar a utilização do antigo balneário para as mesmas funções.
Tinta Ferreira esclareceu que naquele momento não estava em discussão o modelo de gestão nem o património, mas apenas a concessão de água.
Indignação
Mário Gonçalves, que foi administrador do hospital, manifestou a sua “indignação” porque “muitas das informações que foram dadas não são do domínio público”, considerando que “numa comunidade que nasceu ao redor do seu hospital, chegar ao século XXI e verificar a situação de inércia e de decrepitude do hospital termal é insultoso”.
Vítor Dinis, em representação de movimento que promoveu um abaixo-assinado contra a privatização do hospital termal, sublinhou que “a concessão da água foi retirada à administração do hospital termal, derivado à má conservação das águas”. “Pergunto se não é de tomar medidas em relação à administração. Tem de se levantar um processo-crime por falta de competência”, exclamou, defendendo que a discussão sobre o termalismo deveria passar por um referendo.
Teresa Serrenho interveio na qualidade de “candidata à presidência da Câmara” (pelo Movimento Viver o Concelho), chamando a atenção se “será plausível que a solução drástica para um problema que se arrasta há anos seja agora resolvida, de forma precipitada, a um mês das eleições autárquicas”.
“Haverá legitimidade para a Câmara, neste momento, de assumir a gestão do Hospital Termal e de todo o património que constitui o seu acervo? A época termal de 2013 está definitivamente condenada, as intervenções a fazer estão dependentes de estudo diagnóstico profundo, já assumido pela Câmara. A solução para tão grave problema não é para 29 de setembro, a solução comprometerá definitivamente o futuro das Caldas da Rainha, devendo esta ser objeto de um projeto sustentável para as gerações futuras. O bom senso deverá imperar, evitando-se decisões precipitadas sem que haja a necessária transparência no processo, tal como foi feito noutras autarquias, nomeadamente em Lisboa, onde foram adiadas as decisões de aprovação de projetos para depois das eleições, por serem considerados relevantes para a salvaguarda do património e do bem comum. Porquê então esta urgência, nesta conjuntura pouco previsível?”, interrogou.
“Poderá ser a nossa galinha dos ovos de ouro”
“Tornou-se claríssimo que o Estado não fará mais investimentos no Hospital Termal. Vamos continuar a exigir do Estado e continuar à espera que nada se faça? Se não formos nós, os caldenses, a tomar conta do futuro das termas, quem o fará?”, questionou Luís Ribeiro, presidente da assembleia municipal, defendendo que “temos de assumir esta necessidade de modernizar as termas das Caldas e enquadrá-la numa estratégia de desenvolvimento regional”.
“Para assumir este projeto, são grandes os investimentos. Mas a economia local será amplamente beneficiada. Poderá ser a nossa galinha dos ovos de ouro. É uma decisão que não está isenta de risco mas não devemos deixar de agarrar esta oportunidade. Fazer política é fazer escolhas e decidir”, declarou.
“Este não é o tempo para decisões apressadas. O mais urgente é garantir que o hospital termal reabra e isso poderá acontecer ainda sob a tutela do Ministério da Saúde”, contrapôs Catarina Paramos, do PS. “Não devemos aceitar esta chantagem, mesmo sabendo que esta administração do centro hospitalar tudo tenha vindo a fazer para se despachar do hospital termal, desde a desorçamentação para se fazerem as análises às águas à total indisponibilidade para comparticipar qualquer tipo de obras”, referiu.
A socialista criticou também a “ideia peregrina de transformar o hospital termal num museu”. “Cabe na cabeça de alguém que o edifício com os gases e a humidade inerente a um espaço termal ofereça condições de conservação de qualquer preciosidade museológica? E a uma Escola de Hidrologia? Um edifício que alegadamente não oferece condições ao nível das suas fundações para os seus doentes, já oferece condições para os seus alunos?”, questionou.
Catarina Paramos interrogou igualmente: “Se atualmente não há dinheiro para manter o hospital termal aberto, onde é que se vai buscar o dinheiro para construir um novo? E onde é que se prevê fazê-lo? E em que situação ficam os trabalhadores do hospital termal?”.
Vítor Fernandes, do PCP, sustentou que “a decisão a tomar deve ser ponderada e devemos continuar a insistir junto do Ministério da Saúde para resolver a situação”. “Era correto avançar só depois das eleições autárquicas, porque o executivo pode ser outro”, defendeu.
Lino Romão, do BE, afirmou que não se deve tomar “uma decisão precipitada à véspera das eleições”. Alertou também que “o protocolo esconde o encerramento definitivo da medicina termal, passando o hospital a ser uma estância termal”.
António Cipriano, do PSD, vincou que “o problema do termalismo é que tem havido muitos estudos e nenhuma decisão. Esta pode ser uma oportunidade para o renascimento do termalismo caldense”.
No seu entender, existem três cenários: “Continuar a defender que devia ser o Estado central a continuar gerir o hospital termal, mas essa visão trouxe-nos ao estado atual das termas encerradas. Será fantasia pensar que o Estado central irá resolver. O outro cenário é a Câmara não se imiscuir neste processo e a concessão da água termal ir para uma entidade externa, sem sabermos o que pretendia fazer nas termas. O terceiro é a Câmara aceitar o desafio de receber a concessão. É a escolha que melhor defende os interesses das Caldas da Rainha. É colocar o recurso na mão do povo das Caldas”.
Duarte Nuno, do CDS-PP, considerou que “não tenho medo de tomar decisões mas o ‘timing’ é péssimo e podemos esperar mais dois meses, para depois das eleições”, defendendo que “é preciso chegar a um consenso alargado”.
O presidente da Câmara voltou a intervir, rejeitando que haja falta de transparência do Município nesta matéria. “As informações que eu tenho são do domínio público”, frisou. “A DGEG tomou a iniciativa de retirar a concessão ao Centro Hospitalar do Oeste. Considerou que não foram cumpridas as obrigações do concessionário assinadas em 1995, que não havia capacidade técnica e financeira para poder gerir o aquífero. Mais do que apurar a responsabilidade das administrações hospitalares, importa é pensar o futuro. O Município deve assumir a responsabilidade de manter a concessão no domínio público”, declarou Tinta Ferreira.
Sobre o ‘timing’ da decisão, o autarca esclareceu que o momento não foi escolhido pela câmara, mas pela DGEG. Garantiu ainda que “não há nenhuma intenção da nossa parte de privatizar o hospital termal”, adiantando que “não conheço nenhum grupo privado interessado em explorar, porque ninguém se apresentou”. “O Inatel é um grupo público, que já se disponibilizou para ser parceiro nesta caminhada. Podemos ter várias soluções, mas serão os caldenses a dizer o que se faça consoante as propostas. Admito, se não encontrarmos nenhum parceiro, ser a Câmara a gerir”, manifestou.
Luta eleitoral quebra consenso
Tinta Ferreira bem se esforçou por dizer que “não falo na qualidade de candidato à Câmara”, revelando que até convidou o Movimento Viver o Concelho para esclarecer as negociações em curso, quando o grupo independente não está representado na Câmara ou na Assembleia Municipal. Só que a intervenção seguinte, de Daniel Rebelo, do PSD, fez quebrar o apelo ao consenso.
O deputado social-democrata afirmou que “o único líder e candidato à Câmara verdadeiramente empenhado em resolver o problema é o presidente da Câmara”, afirmação que foi mal recebida na oposição, de nada valendo o argumento de Daniel Rebelo de que “podemos não ter uma oportunidade tão clara para resolver o problema”.
Jorge Sobral, do PS, considerou que o tema estava a ser “uma discussão eleitoral”. Lino Romão disse ter ficado “mais claro que estamos período pré-eleitoral”, pelo que “tornou-se mais evidente a inadequação do momento para decidir”. O bloquista apresentou uma moção para que a Assembleia Municipal solicitasse ao diretor da DGEG que a decisão sobre a entrega do aquífero a terceiros seja adiada para outubro próximo, logo após as eleições autárquicas. “Recomenda o senso comum e a sensatez que este assunto seja objeto de debate público e amplamente discutido pela população, conferindo outra legitimidade democrática aos próximos órgãos autárquicos eleitos para assumirem uma herança de mais de 500 anos de medicina termal”, lia-se na proposta, que defendia também que o assunto fosse estudado por uma comissão de deputados até ser tomada uma decisão pela DGEG.
A moção foi rejeitada, recebendo 21 votos contra, 2 abstenções e 8 votos a favor, mas acabou por ser marcada uma nova reunião da Assembleia Municipal para dia 20 de agosto e até lá o tema baixou à análise da segunda comissão municipal.
Francisco Gomes
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