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Ecologia do desemprego

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Dizia-me um colega universitário que há dias, após terminada uma aula, a empregada das limpezas lhe pedira para apagar o quadro, pois prescreviam as regras que o professor evitasse deixar o quadro “sujo”, neste caso de problemas resolvidos de hidráulica. Àparte a noção algo estranha de “sujidade”, o meu colega ainda tentou comunicar à senhora que ele não tinha para com a instituição qualquer obrigação de assegurar tarefas de limpeza, de quadros ou do que quer que fosse, e que havia uma diferença substancial entre um dever e uma obrigação. Pois se ele normalmente deixava o quadro limpo; não deitava lixo para o chão e dizia «bom dia» ou «boa tarde» às pessoas com quem se cruzava no campus, ele não o fazia por se sentir obrigado, mas simplesmente por boa educação, e porque achava que um professor tinha o dever de se comportar dessa maneira. Tal não dava a ninguém o direito de o fiscalizar, ou de o obrigar quando, por alguma razão, não se comportasse como era seu dever, obviamente que dentro da legalidade.

Vendo que a empregada não o compreendia, tentou ainda um último recurso: «Não percebe que se formos nós a fazer as limpezas das salas vocês acabam por ficar sem emprego?» De nada valeu a apelação, e acabou por voltar atrás para, diligentemente, apagar o quadro, não sem sorrir por dentro como somente os sábios fazem: «Eu ainda consigo limpar quadros, mas a ela gostava de a ver a ter que demonstrar o princípio de Bernoulli…».

A empregada ficou contente pois cumprira com eficácia o seu dever de zelar pela higiene da casa. Terminada a tarefa, o colega dirigiu-se ao refeitório para almoçar. Havia, como habitual, uma fila de espera, desta vez mais longa do que o normal pois havia apenas uma funcionária de serviço, a qual dividia os seus afazeres entre a caixa registadora e as panelas da comida que ia repondo como podia.

Chegada a sua vez, o colega serviu-se a si próprio, colocando no tabuleiro as doses certas constituintes da refeição. Sentou-se e comeu em silêncio. Após o repasto levantou-se e, notando a funcionária que ele se afastava da mesa sem tirar o tabuleiro (o telefone entretanto tocara e ele falava com alguém sobre um projeto internacional de I&D), de imediato o interpelou de modo enfático: «Então e o tabuleirinho, está-se a esquecer não é!?».

Ele interrompeu a chamada, algo atrapalhado, e foi à mesa buscar o tabuleiro, colocando-o no carrinho. A funcionária diligente sorriu, feliz por ter cumprido o seu dever de vigilância das regras do refeitório.

Findas as tarefas da tarde, o meu colega decidiu rumar a casa, não sem antes notar que o automóvel estava na reserva. Dirigiu-se ao posto de abastecimento mais próximo, fez o pré-pagamento e abasteceu ele mesmo a viatura, arrastando a custo até à boca do depósito a pesada mangueira suja de gasóleo. Regressado à caixa para recolher a fatura (a fatura, segundo as regras, o “sistema” só a podia emitir depois de feito o abastecimento), esperou na fila e reclamou das mãos sujas pela mangueira que não estava limpa.

O funcionário, zeloso, informou que existiam toalhetes junto às bombas, dos quais o meu colega devia ter-se provido antes de abastecer, prevenindo assim a possibilidade de sujar-se. A culpa era dele, portanto, e para a fatura faltava ainda a matrícula da viatura, situação que obrigou o meu colega a sair e a aproximar-se novamente do carro, pois era algo que ele não sabia de cor.

Na rádio que ligou a caminho de casa falava-se, como habitualmente, da crise e do desemprego. «Um flagelo; um autêntico cancro social!» vociferava um comentador que, pela conversa, devia ser economista. Na portagem demorara-se por causa dos trocos: a máquina automática não os tinha para a sua nota de vinte euros, e respondia cuspindo a nota com uma voz monotónica. Ainda ponderou ir-se embora sem pagar, mas faltou-lhe a coragem.

Em qualquer circunstância, era seu dever de utente pagar o “serviço”, e temia as represálias da concessionária caso por alguma razão o não fizesse. Cansado do seu dia e finalmente chegado a casa, notou que havia à porta sacos de lixo para despejar no ecoponto. Havia num deles muitas garrafas de vidro, algo que lhe causava desconforto ter que deitar fora. «A reciclagem ganhou à reutilização, por razões que a razão “ecológica” desconhece…» – pensou. Nada a fazer, portanto.

Importante era ser um bom ecocidadão; separar o lixo de acordo com as regras municipais, e colocá-lo a horas certas nos locais designados, e nos recipientes próprios, para o efeito. Foi o que fez durante quase meia hora, até regressar a casa para finalmente jantar. Na televisão anunciavam-se novos despedimentos e, com grande entusiasmo, um cientista previa que em breve haveria nas autoestradas europeias camiões a circular… sem camionista.

Deitou-se, cansado de tanta peripécia, Nessa noite sonhou que era estivador, e que manobrava junto ao rio uma enorme grua sem manobrador. Sim: em sonhos as contradições até têm alguma graça.

Valdemar J. Rodrigues

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