As conversas eram sempre de “morrer a rir”, tinham tanto de engraçadas como de infantis e ausentes de outras interpretações que não fossem o insólito e o disparate. Eram histórias de touros, toureiros, touradas, pegas de frente e de cernelha, umas bem-sucedidas, outras com destino obrigatória para qualquer enfermaria, mas as cicatrizes eram medalhas bem mais nobres do que uma eventual guerra no ultramar, inglória, mortiça e pouco dignificante na mentalidade dos mais afoites nas lides tauromáquicas.
Assim decorreram os meus verdes anos, completamente identificada com a maneira de ser ribatejana, exceto no vinho, pois o meu pai orgulhava-se de ser patriarca da única família onde este “néctar” não habitava.
Lá em casa era um facto assumido que eu só estudava até começar a Feira da Agricultura, em Santarém, cujo fim coincidia com o início dos exames no Liceu. Com a matéria sabida e os manuais digeridos à exaustão, ia concretizar o meu sonho para o meio daquela gente, viver as epopeias dos jovens colegas que, todo o ano, não me cansava de ouvir contar.
As touradas eram sublimes, os touros sempre bons e de ganadarias de amigos, os cavalos deslumbrantes e, alguns cavaleiros, conseguiam ainda ser mais bonitos…
O meu momento ZEN consistia em observar, de longe, o Mestre Batista ou o Luís Miguel da Veiga, ajoelhados aos pés da Virgem Maria antes de entrarem na arena…
Perfeitamente inolvidável, envelhecido com o correr dos anos, na minha memória e no meu coração, guardo com muita saudade, estes tempos de adolescente que passaram como era devido…
É óbvio que nenhum dos meus colegas tinha perfil para ser eleito como futuro pai dos meus filhos, tão sagrada como a tauromaquia era para mim a família, mas cada um no seu lugar, no espaço que lhe compete.
Assim parti para outras “touradas”, outras faenas e, em tempos conturbados de ensino, eu gostava de pensar: agora sou eu a entrar na arena, quer dizer, na sala de aula, que a Virgem não me abandone…
Outros ventos, outras aragens, outras pegas, mas sempre saí ilesa, sem traumatismos físicos e psíquicos.
Pelo Campo Pequeno não me perco, cheira mais a perfume do que a cavalos mas, sempre que posso, ainda me delicio a assistir ao “natural” a uma boa tourada…
Todavia, nos últimos tempos, têm-se levantado “alguns ventos contrários” que, de certa forma até compreendo, mas dada a ausência de respeito pela dignidade da vida humana, pelos tradicionais valores que, por serem tradicionais são valores e não caprichos, assopradelas ou meras opiniões do contra, atrevo-me a parafrasear um comentário do J. Bastinhas a uma destas últimas manifestações, o qual me foi enviado por uma amiga muito querida: ”Esquerdista de m…, são a favor do aborto, da eutanásia, das drogas e dos maricas e ainda têm coragem de criticar uma tradição que tanto orgulha os portugueses”.
Penso que ele não me levará a mal a citação, aliás, uma das grandes qualidades destas gentes é a frontalidade, é falarem com o coração, sem pápas na língua, sem contornar ou distorcer. O perigo é a sua profissão e paixão, logo não têm tempo a perder, outras lides, outras praças, outras faenas os esperam, mas o homem é um ser humano, é uma pessoa e um touro é um animal.
Alguém quer jantar um bom bife ou uma suculenta costeleta de novilho? Todavia, aceito que a sua maior paixão seja comida vegetariana…
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